Alcaraz já é presente. E o futuro?

(Apesar de este ser um espaço sobre futebol, pedi licença aos meus amigos que o gerem, para escrever esta pequena peça sobre ténis. Um grande obrigado a eles!)


Já não é segredo para ninguém que Carlos Alcaraz (CA) é o novo fenómeno do ténis. Há uns meses, quando o vi pela primeira vez, chamei-lhe jogador pré-fabricado. Queria com isto dizer que, quando alguém com a sua idade - 18 anos na altura - já tem a sua gama de recursos e acima de tudo, sabe quando e como os utilizar, tem-se (eu tive) a tendência para pensar em programação.
Obviamente, pelo menos tanto quanto eu saiba, ainda não se programam pessoas. Era apenas uma maneira de dizer que o miúdo terá sido trabalhado desde tenra idade para fazer bem, ou muito bem, o que lhe foi sendo ensinado - tenisticamente falando, claro.
Ao contrário do que algumas correntes, cada vez mais arcaicas defendem, não nascemos todos iguais e há quem tenha aptidões naturais excepcionais para determinada actividade, ou conjunto de actividades. Inegavelmente, este é o caso de CA. Aos dotes técnicos, junta uma estampa e resistências físicas e mentais, raramente vistas.

Ontem, quando assistia ao duelo com Frances Tiafoe (que jogador com uma ALMA ENORME!), ouvi coisas acertadas e outras não menos acertadas por parte dos comentadores de serviço. Neste último grupo, algumas até perigosas de serem ditas, mas já lá vou.
Desses comentários, destaco positivamente o que referi acima, a qualidade de escolha nas pancadas que já tem CA, coisa que normalmente só se atinge com anos de experiência. Definitivamente, não pode ser só e sempre sorte. Uns chamar-lhe-ão instinto. Eu, como tenho muitas dúvidas na definição desse conceito, vou, por agora, dar-lhe o prosaico nome de “aprendizagem acelerada”.

Como disse, também ouvi disparates, sobretudo do “emérito” Emanuel Couto. Dizer-se que CA já tem as pancadas todas, é no mínimo ridículo. Sr Emanuel, leia isto: ninguém tem ou ninguém teve todas as pancadas!
Se considerarmos esta frase de Couto como um produto dum entusiasmo momentâneo, dando-lhe então o devido desconto, é menos desculpável que se diga que “CA é como se juntasse Federer, Nadal e Djokovic num único indivíduo”. Isto é inqualificável vindo da parte de alguém, que, pese embora nunca tenha sido mais do que um jogador mediocre, quando está aos microfones duma estação como o Eurosport, que, por exemplo, na versão inglêsa, tem pessoas como John McEnroe a comentar, deixa mal o nome de quem o convidou para a tarefa. Profundos disparates!

É por causa de disparates como este e da euforia causada, desde logo, pela máquina de propaganda espanhola, que a nível mundial, só é suplantada pelas inglesas e americanas, eu sinto alguma apreensão pelo que poderá ser o futuro de Alcaraz. Por mais que ele seja, ou se julgue impermeável à pressão que cada vez mais irá recair sobre os seus ombros, dificilmente conseguirá sê-lo. Não é culpa dele, obviamente, mas a máquina que já se está a formar ao seu redor, irá tornar-lhe a vida muito complicada. Pessoas com o estofo mental de Cristiano Ronaldo, são raras. Mesmo Michael Jordan, cedeu em determinado ponto e quer um, quer outro, não estavam sozinhos sob os holofotes. Com isto, refiro-me, quer à particularidade do ténis, em que, na sua variante principal, os “gladiadores” estão sozinhos em campo, quer à concorrência. CR7 teve Messi. Jordan teve Magic.
Até ver, aquele que é dado como possível mega-adversário de CA, Jannik Sinner, embora podendo derrotá-lo, não tem armas suficientes para ser esse tal adversário constante e consistente. O mesmo se aplica a Tiafoe, Ruud, e mais alguns da nova geração. Talvez a excepção possa ser o miúdo Lorenzo Musetti, mas, apenas em terra batida. Noutras superfícies, dificilmente terá chances. Enfim, talvez em relva, por mais estranho que possa parecer.

É vulgar dizer-se que se qualquer um dos jogadores do Big Three, não tivesse sido contemporâneo dos outros, facilmente teria ganho 30 ou mais Slams. Talvez sim, ou... talvez não. Estes 3 tenistas, juntos, conquistaram mais de 60 títulos do Grand Slam, já para não contar com Masters, jogos Olímpicos e a quantidade de recordes que cada um detém. [Obs: SÃO NÚMEROS LOUCOS, ABSURDOS!]
Pergunto: cada um deles, se sozinho, deixasse de ter concorrência à altura, continuaria com o mesmo afinco, determinação e vontade? Talvez apenas Djokovic, que foi o que mais tarde atingiu o nível de maturidade mental necessária e, cuja personalidade como ser humano deixa algo a desejar (é uma opinião minha). Quanto aos outros dois, estou convicto que teriam parado mais cedo - novamente uma opinião minha.

Tudo isto para dizer o quê? Desde logo, que, se não aparecer rapidamente alguém capaz de ombrear taco a taco com Alcaraz, poderemos não o ter por muito tempo. Pode parecer prematuro dizer uma coisa destas, sobretudo ao dia de hoje, em que a única coisa de relevo que ganhou foi um Masters 1000, mas creio ser útil dizê-lo agora e não quando for tarde demais.
Depois, aquilo a que vulgarmente se apelida de armadilhas do sucesso. Poucos são os que lhes resistem, ou quando isolados, escudados de todas elas, não se fartam do isolamento.
Que se tenha cuidado a idolatrar alguém tão novo, sobretudo pondo-o SOZINHO no topo do mundo.

Para terminar e voltando às declarações do prezado Couto, para Carlos Alcaraz ser o jogador perfeito, teria de ter isto*:
- a direita de Federer
- a esquerda de Gasquet
- a resposta ao serviço de Djokovic
- a resistência mental de Nadal
- a consistência e precisão do primeiro serviço de Pete Sampras
- a consistência e precisão do segundo serviço de Federer
- o top spin de Nadal
- o jogo de rede de Edberg
- o slice de Fabrice Santoro
- o lob de Andy Murray
- o jogo de pés de Federer
- a “maldade” de Ivan Lendl
- a magia e loucura de Dustin Brown

Tem? Claro que não tem. Nem ele, nem ninguém e arrisco-me a dizer que ninguém nunca terá.
Protejam o miúdo!

Obrigado pela leitura,
Rui Barroso


*Só listei atributos de jogadores que vi jogar.

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